Cinema Moçambicano

O cinema em Moçambique possui uma história rica e diversificada, marcada por importantes cineastas e obras que ajudaram a moldar a identidade cultural do país. A indústria cinematográfica moçambicana evoluiu significativamente ao longo das décadas, gerando uma diversidade de narrativas que vão desde a experiência da colonização e da guerra de independência até as complexidades do dia a dia na sociedade contemporânea. A seguir, você encontrará uma breve análise dessa trajetória, que vai desde a primeira era do cinema moçambicano, passando por importantes cineastas como Licínio Azevedo, Sol de Carvalho, Mickey Fonseca, até a era dos novos talentos que emergem no cenário cinematográfico moçambicano atual.

Primeira Era do Cinema Moçambicano e Cineastas Pioneiros

A história do cinema moçambicano remonta ao período colonial português, com os primeiros filmes sendo introduzidos no país durante a Primeira Guerra Mundial. No entanto, foi somente no final da colonização que cineastas moçambicanos começaram a desafiar a narrativa colonial, usando a sétima arte para expressar a cultura e a realidade local.

Em 1985, o filme “O Tempo dos Leopardos”, dirigido por Zdravko Velimirović, Branimir Šćepanović, Luís Carlos Patraquim e Licínio Azevedo, marcou um ponto de virada na história do cinema moçambicano. Contando a história fictícia da Guerra de Independência de Moçambique sob a perspectiva dos colonizados, é considerado o primeiro filme moçambicano produzido.

 

O Tempo dos Leopardos (1985) | Zdravko Velimirović e outros

Licínio Azevedo: O Pioneiro do Novo Cinema Moçambicano

Licínio Azevedo, cineasta brasileiro que decidiu fincar raízes em Moçambique em 1975, transcendeu fronteiras tornando-se um ícone diretorial do país. Como um dos pilares fundadores da Ébano Multimédia, Azevedo foi fundamental na moldagem da paisagem cinematográfica moçambicana, deixando um legado de obras inestimáveis.

“A Colheita do Diabo” (1988), por exemplo, é uma pincelada cinematográfica do retrato de uma aldeia moçambicana, que, ameaçada por adversidades climáticas e criminalidade, encontra seu baluarte na forma de cinco veteranos de guerra.

Em contrapartida, “Adeus RDA” (1992), ilustra a dolorosa realidade de onze mil moçambicanos, que após uma década vivendo na Alemanha Oriental, encaram o retorno traumático a seu país natal.

Em “O Grande Bazar” (2006), Azevedo tece uma trama envolvendo dois meninos de mundos e sonhos distintos. Ambos se cruzam em um mercado africano e, nesse encontro, aprendem a sobreviver nas ruas.

 

Adeus RDA (1992) | Licínio Azevedo

 

 

O Grande Bazar (2006) | Licínio Azevedo

 

“Virgem Margarida” (2012), por sua vez, narra a história de 500 prostitutas enviadas à força para um centro de reeducação na selva após a independência de Moçambique. A narrativa é agravada pela história de uma jovem erroneamente enviada para esse centro.

Azevedo também destaca aspectos socio-políticos de Moçambique em “Mulheres na Política” (2013), onde ele revela os impactos de um projeto de formação política implementado pela organização social Ibis Moçambique em treze municípios das províncias de Niassa, Zambezia e Cabo Delgado.

 

Virgem Margarida (2012) | Licínio Azevedo

 

 

Mulheres na Política (2013) | Licínio Azevedo

 

Por fim, “Comboio de Sal e Açúcar” (2016) é uma dramática recriação da perigosa jornada de um comboio de mercadorias durante a Guerra Civil de Moçambique, frente a ataques surpresa e sabotagens de um grupo paramilitar.

 

Comboio de Sal e Açúcar (2016) | Licínio Azevedo

Essas são apenas algumas pérolas do rico acervo de Azevedo, cada uma revelando um fragmento da complexidade e riqueza da história e da sociedade moçambicanas.

O Sol Nasce no Cinema Moçambicano: A Era Sol de Carvalho

Após concluir seus estudos no Conservatório Nacional de Cine de Lisboa, o moçambicano Sol de Carvalho regressou ao seu país, contribuindo significativamente para o cinema local. Fundador e diretor geral da produtora PROMARTE, seus trabalhos notáveis incluem “O Jardim do Outro Homem” (2007) e “O Dia em Que Explodiu Mabata-Bata” (2017).

 

O Jardim do Outro Homem (2007)- Trailer | Sol de Carvalho

 

 

O Dia em Que Explodiu Mabata-Bata (2017) | Sol de Carvalho

 

A Era Mickey Fonseca: A Jornada de um Visionário

Mickey Fonseca, um renomado cineasta moçambicano, conquistou aclamação internacional pela direção de obras marcantes como “Mahla” (2009) e “Resgate” (2019). Com sua destreza narrativa e técnica, Fonseca trouxe uma nova perspectiva ao cinema. Além de ser um visionário por trás da câmera, ele também é o fundador da prestigiosa empresa de produção cinematográfica, Mahla Filmes. Sua filmografia, rica e diversificada, engloba uma série de títulos que deixaram uma marca indelével na indústria do cinema.

 

Resgate (2019)- trailer | Mickey Fonseca

A Vanguarda Moçambicana: Novos Talentos a Reinventar o Cinema

Em anos recentes, cineastas emergentes como Yara Costa, Lara Sousa, Inadelso Cossa e Gil Nota têm trazido novas perspectivas e abordagens para o cinema moçambicano.

Yara Costa Pereira, mais conhecida como Yara Costa, é uma renomada cineasta e jornalista moçambicana. Nascida em 1982 em Moçambique, ela concluiu o ensino secundário na África do Sul antes de se mudar para o Brasil para estudar jornalismo na Universidade Federal Fluminense. Posteriormente, ela obteve um mestrado em cinema documental na Universidade de Nova York e continuou seus estudos cinematográficos em Cuba. Em sua carreira cinematográfica, Yara tem várias obras notáveis. Em 2011, ela lançou “Porquê aqui? Histórias chinesas em África”, seguido por “A travessia” em 2014. Em 2017, ela dirigiu “Os Desterrados” e em 2018, lançou “Entre Eu e Deus”. Seu trabalho mais recente, “Depois da água”, foi lançado em 2021.

 

Entrevista com a cineasta Yara Costa

Lara Carolina Noronha Abranches de Sousa, conhecida como Lara Sousa, é uma cineasta moçambicana nascida em 1991, em Maputo. Com formação em uma escola cubana de cinema, a Escuela Internacional de Cine y Televisión (EICTV), ela produz curtas-metragens em formato de documentário e ficção, apresentando uma estética ensaística e auto-referencial. Seu cinema é uma reflexão sobre ser mulher negra e seus afetos. Lara Sousa tem uma vasta filmografia, incluindo “Machimbrao – El hombre nuevo” (2016), “La finca del medo” (2017), “Kalunga” (2018), “Fin” (2018), “The Ship and the Sea” (2019), e “Sonhámos um país” (2019).

Em 2021, o Sundance Institute apoiou projetos de Lara, como “The Ship and the Sea”, desenvolvido em colaboração com Everlane Moraes. No mesmo ano, seu filme “We the People of the Islands”, uma colaboração com Elson Santos, foi destacado pela International Emerging Film Talent Association (IEFTA) para o Cannes Docs. Este filme conta a história de uma operação secreta de um grupo de 31 jovens cabo-verdianos que, em 1965, embarcou para Cuba para receber formação militar para libertar o país do colonialismo.

Além de sua carreira como cineasta, Lara Sousa também tem um papel ativo na promoção do cinema africano. Ela moderou a conversa “DFM Conversations: Driven By Inspiration” com o artista angolano Coréon Dú durante o Durban Film Mart e fez parte do júri do KUGOMA – Fórum de Cinema de Moçambique em 2021. Lara Sousa está ainda envolvida em projetos sociais e de desenvolvimento com foco em temas de gênero e direitos humanos, e coordenou a primeira edição de MiradasAfro, um espaço formativo de MiradasDoc dirigido a documentalistas africanos e afrodescendentes.

InaInadelso Cossa é um cineasta multifacetado, conhecido por sua participação como produtor, diretor e escritor em vários filmes. Seus trabalhos mais notáveis incluem “Xilunguine, a terra prometida” (2011), um curta-metragem que ele produziu, dirigiu e escreveu, e “A Memory in Three Acts” (2017), um documentário que ele dirigiu. Outro projeto de destaque é “Casa Branca: A Ponte” (2016), onde atuou como produtor executivo. Atualmente, Inadelso está trabalhando em “The Nights Still Smell of Gunpowder” e “The Child Soldier”, ambos em produção, onde ele ocupa funções de produtor e diretor no primeiro e de produtor supervisivo no segundo. O cinema de Inadelso Cossa é marcado por sua abordagem sensível e perspicaz para tratar de questões sociais, históricas e culturais relevantes em seus filmes.

Finalmente, Gil Nota, um promissor cineasta moçambicano e membro do coletivo Afrocinemakers, tem vindo a conquistar reconhecimento na indústria cinematográfica. Sua obra “Sinédoque de Silêncio” conquistou o prêmio Novos Autores 2022, destacando-se pelo enredo emocionalmente intenso que gira em torno de Khaci, uma jovem com um passado sombrio. A produção desse filme foi um testemunho da criatividade de Nota e do coletivo Afrocinemakers, sendo realizado com recursos limitados e ideias de baixo custo.

Em 2021, Nota apresentou outra obra marcante, “Deprevida”. Este filme conta a história de uma mulher que se encontra cheia de problemas, tão profundos que nem a sua melhor amiga a pode salvar da sua dor. Tal como em “Sinédoque de Silêncio”, Nota demonstra o seu talento para retratar personagens complexos e explorar temas profundos e emocionalmente carregados. Através das suas obras, Nota busca amplificar vozes sub-representadas e iniciar discussões sobre realidades raramente abordadas.

Nota, enquanto cineasta, está comprometido com a produção e massificação de filmes nacionais moçambicanos, trabalhando arduamente apesar das dificuldades que os cineastas da região enfrentam. Ele mostra que o talento e a determinação podem superar os obstáculos, criando filmes de alta qualidade que têm potencial para alcançar e impactar públicos internacionais.

 

Deprevida (2021) | Gil Nota

 

 

Sinédoque do Silêncio (2022) | Gil Nota

 

Outros Filmes Relevantes

“Terra Sonâmbula” (2007) é um filme baseado no livro homônimo do escritor moçambicano Mia Couto, dirigido por Teresa Prata. É um drama que retrata a guerra civil moçambicana e sua devastação no país. “A Munhama” (2020) é um exemplo de como o cinema moçambicano também se aventura no gênero de terror. Produzido por jovens cineastas, a trama se concentra em uma lenda urbana sobre uma mulher que aterroriza uma vila.

 

Terra Sonâmbula (2007) | Teresa Prata

 

 

A Munhama (2020) | Jovens cineastas moçambicanos

 

Por meio dessa breve análise, é possível perceber o desenvolvimento robusto e a rica diversidade da indústria cinematográfica moçambicana. Apesar dos desafios enfrentados, como a falta de financiamento e infraestrutura adequada, cineastas moçambicanos têm continuamente produzido obras de grande valor artístico, contribuindo para a diversidade e riqueza do cinema mundial.